Queridos amigos e amigas.
Estamos bem.
Nunca pensei que passaria por uma experiência como esta.
Na noite de terça-feira, dia 11 de janeiro, tivemos um temporal com muitos trovões e descarga de raios de dois em dois minutos.
Choveu em duas horas 290 ml.
Da minha casa no sítio ouvia o barulho terrível da ventania e da chuva, ouvimos gritos dos vizinhos e conseguimos acolher uma família próxima, quando clareou o dia percebemos que o rio havia subido até a varanda de minha casa e toda a vegetação em volta estava destruída.
Mudou toda a topografia, a tromba d'água arrastou a suite onde morava meu filho (estava comigo em casa) que ficava fora da casa, o salão de cursos, galinheiro, horta, tudo. Sobrou somente a casa onde estavamos.
Saimos e conseguimos resgatar com cordas uma outra família ilhada pelas águas do rio.
A estrada de acesso estava destruída.
Na realidade o rio retomou seu curso natural levando tudo o que havia no caminho. Estimo que só na minha rua tenham morrido mais de 30 pessoas. Até agora são dez mortes confirmadas e muitos desaparecidos. As casas do lado esquerdo do rio não existem mais.
Tivemos que subir a montanha passando pelas barreiras e acessar um sítio que estava fechado. Invadimos e acomodamos as crianças, fizemos um grande SOS com lençóis brancos na clareira ao lado, era o único lugar onde poderia pousar um helicoptero, levamos comida, velas e documentos deixando tudo para trás.
Muitos animais mortos, conseguimos localizar mais uma família ilhada pelas águas e barreiras e já pedimos aos bombeiros para retirá-los pois não conseguimos chegar.
Durante todo o tempo ficamos gritando e sinalizando para sermos vistos até que fomos resgatados ontem no fim da tarde, por um helicóptero da polícia militar.
Do alto pude ver o estrago, meu bairro Córrego Dantas acabou, a enchente, a queda de barreiras, os entulhos e os carros arrastados obstroem o acesso pela estrada. A maioria das casas ruiram.
A visão da cidade é aterradora.
O Hospital Raul Sertã está funcionando como hospital de guerra pacientes sendo atendidos na recepção e corredores, graças a Deus os médicos são incansáveis, inclusive os aposentados e médicos voluntários que estão na cidade.
O Hospital São Lucas perdeu parte de seu prédio, tendo que transferir pacientes para o Raul Sertã.
Na cidade andamos com lama até o joelho, as retroescavadeiras estão trabalhando direto, helicopteros e ambulâncias também.
Eu e minha família estamos com a roupa do corpo e sem saber quando poderemos voltar em casa, nem se a casa é segura.
Mas, graças ao Pai Celestial e Mãe Divina estamos bem contando com o apoio de amigos que estão nos abrigando.
Não posso retirar meu carro que seria muita ajuda neste momento e não posso voltar ao meu bairro enquanto os bombeiros e a defesa civil não abrirem passagem.
Estou ajudando minha irmã no hospital, hospedada perto da base da Polícia Militar onde podemos ter acesso as notícias.
Amanhã junto com o batalhão florestal tentarremos resgatar os cachorros, hoje preciso encontrar um lugar para acomodá-los.
Estamos precisando de doações de água potável, alimentos já prontos tipo sucos, leite, biscoitos, colchonetes, roupas de cama ...
Os telefones fixos estão voltando aos poucos e os celulares também.
As perdas materiais não me incomodam, mas a sensação de impotência e a perda dos amigos fazem doer meu coração.
Agradeço o carinho de todos, saber que voces estão aí e que rezam por nós é muito bom.
O amor de vocês é o meu alento.
Aviso aos meus alunos e pacientes que não sei quando poderei retornar as minhas atividades.
Por enquanto meu lugar é aqui e que Deus nos ajude nos poupando de mais chuva para que possamos trabalhar.
Infelizmente o que a televisão noticia não é 20% do que realmente aconteceu, estimamos mais de 800 mortos.
Mandarei mais notícias depois.
Mais uma vez obrigado.
Nova Friburgo, 5a. feira 13 de janeiro de 2011
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